sábado, agosto 19, 2006

Sodade

Nus óio dessa sodade,
Preguntei móde sabê
Adonde a felicidade,
Pudia mió se escondê,

Num incontrei a resposta,
Prá pregunta qui eu fiz,
Pois, di mim, sodade gosta,
Sem ela, num sô filiz...

Travei briga com Maria,
Joaninha me dexô,
Chorei de noite e de dia,
Sodade do meus amô...

Minha casa lá pur riba,
Naquele canto de morro,
Quando a sodade s’arriba,
De vórta, prá lá eu corro...

Minha mãe dexô tristeza,
Quando Deus, triste levô,
Tanta dor, que marvadeza,
Sodade foi que restô...

Faz treis meis que nunca chove,
Nessa terra, sô dotô,
A sodade me comove,
Meu canto só sabe dô...

Nu mei dos espin da vida,
A sodade machucô,
No amô, na dispidida,
A sodade é uma frô...

Os espin que ela carrega,
São por Deus, abençoado,
A sodade faiz entrega,
Nesses peito apaxonado...

Fiz cabana de sapé,
Pra morá com meu amô,
Mas, leite sem tê café,
Sodade foi que restô...

Vida sem sodade, cansa.
É cavalo sem arreio,
Sodade, no peito avança,
Trazeno a lua, no seio...

Quano pito meu cigarro;
Da páia do mío, feito.
Na sodade, eu me agarro,
Martrata cumo malfeito...

Minha Rita é tão bunita,
Prefeita cumo uma frô,
Sodade meu peito agita,
Ao ti vê, bem disparô...

Rélojo contano as hora,
Trais sodade sem ter pressa,
Meu amô, já foi-se embora,
Coração bateu depressa...

Vi meu bem saindo fora,
Me dexô na solidão,
Quê que vô fazê agora,
Sodade no coração...

Vórta pra mim, querida,
Num me fais ingratidão,
Sem ocê, a minha vida,
De sodade, vale não...

Meus óio anda tristonho
Pércurando pur vancê,
Tenho sodade do sonho,
Onde pudia eu te vê...

Sodade é coisa facêra,
E besterenta tômbém,
Vivi minha vida entera,
Com sodade desse arguém...

Vento balança o teiádo,
Onde fiz minha chopana,
Sodade quema um bucado,
Arde qui nem taturana...

Se tenho medo da vida,
Da morte num tenho medo,
A sodade dói doída,
Mas dela, sei o segredo...

Sodade faiz tempestade,
Dirruba casa e barraco,
Como dói a tar sodade,
Parece chute no saco...

Eu rezei prá Santo Antoim,
Prá móde pudê casá,
Finar de tudo, foi soim,
Só sodade vai restá...

Tenho sodade num nego,
Essa é a maió certeza,
Sodade cravando o prego,
me furano de tristeza...

Pedi perdão pru meu Deus,
Pulos pecado que tive,
Sodade, nos óios meus,
Em cada lágrima, vive...

Mardiçoei minha sorte,
Foi o que eu pude fazê,
Bejo de sodade é morte,
Dessa morte vô morrê...

A solidão é fera e me devora

A solidão é fera e me devora,
Não permite meus passos sem temor,
Trazendo essas angústias que, d’outrora
Foram as companheiras dessa dor...

O tempo vagaroso, faz d’agora,
Em lágrimas vertidas, carpidor.
Minh’alma sem destino, vaga, chora...
Sozinho, penitente, mal d’amor...

A solidão, tempero do meu karma,
É fustigante como um maremoto,
Quem dera não saber da medonha arma;

Seus olhos se repetem, cada foto,
Pois, só tua presença é que desarma
A dor fatal da fera em que me emboto...

Quisera ter, da sólida braúna

Quisera ter, da sólida braúna,
A eternidade, força em que me apego;
Na raridade bela da graúna,
A grandeza marinha que navego...

Poder lutar, jogando nessa iúna,
Com toda força; o medo eu arrenego,
Sair ao mar, das dunas, minha escuna;
Vadio o peito, vago sendo cego...

Nas minhas mãos sedentas por batalhas,
Meus pés na dança-luta, capoeira,
Não quero nem carrego essas mortalhas,

Minha senzala, nunca a verdadeira,
É meu caminho pleno, tantas falhas
Trago, meu coração sem eira e beira...

Eu recebi respostas pelo vento

Eu recebi respostas pelo vento,
Dessas indagações, que um dia, eu fiz.
Por onde surgirá contentamento,
Qual o momento, enfim, de ser feliz.

Para onde irá, depois, o esquecimento,
Minh’alma, de tormentos, meretriz,
Na soma, diminui meu pensamento,
Vivendo, vou morrendo por um triz...

O vento percebendo tanto medo,
Me respondeu, temendo minha dor,
Ao fim de tudo, sabe meu segredo,

Traz no sopro o saber caminhador;
De quem viveu, outrora, no degredo,
As respostas? O vento já levou...

Por amar assim, sendo verdadeiro

Por amar assim, sendo verdadeiro,
Jamais conseguirei ser um liberto,
Amando de tal sorte, por inteiro,
Sem perceber qu’andei mais incompleto.

Amor sugando, tudo, meu ceifeiro,
Não restando, portanto, nem meu teto,
Sem ter início, sequer paradeiro.
Amor, o precipício de tod’afeto...

Num desejo cruel, sou seu escravo,
Noutro momento cego, sou vazio,
Meus passos, indecisos, logo travo,

Quem me dera pudesse não ser cio,
Quem me dera tu fosses rosa, eu cravo...
Quem sabe, saberia amor vadio...

Recebendo o carinho desta brisa,

Recebendo o carinho desta brisa,
Me lembro de teus beijos, minha amada.
Nos afagos senti; pele tão lisa,
Minhas mãos penetrando tua estrada...

Todas minhas quimeras, amortiza
O suave calor dessa empreitada,
Todos os meus demônios, exorciza.
Pois se te quero sempre, diga nada...

Na delícia voraz de teu carinho,
Nessa carícia atroz, que sei saudade,
Procuro vorazmente pelo ninho,

Pois bem sei que jamais será tão tarde
Que nunca mais serei, enfim, sozinho,
Pois encontrei, enfim, felicidade...

Meu soneto traduz meu sentimento

Meu soneto traduz meu sentimento,
Num vértice profundo e mais preciso,
Repele o que tortura, num momento;
Enfim vai transmudando dor em riso...

Soneto que persigo em pensamento,
Na calma desse porto que, enfim, viso,
Nos versos que insistente, tanto tento,
Levar, minha alma, sempre ao paraíso...

Se choro, já nem sinto bem por que.
Meu canto, transgredindo meu silêncio,
Nas rimas, vou vivendo por viver.

Atravesso essas dores, ponte pênsil,
Passando pelo mundo, tento ler,
O que mimeografai, no meu estêncil...

Claridade dos olhos, na lembrança

Claridade dos olhos, na lembrança;
Desses olhos que foram os meus guias.
Quem me dera, pudesse ser criança,
Mergulhando em teus olhos, fantasias…

Pelas ruas distantes d’esperança,
Bem sei que, de viés, também me vias;
De mãos dadas, unidos nesta dança,
Sem temer as penumbras mais sombrias…

Tinha, em teus olhos, lume e farol, brilho.
Seguia sem temer pelas tempestas.
Eu jamais me perderia nesse trilho;

Vertendo em claridade; tantas festas,
Sem temer nem a morte nem exílio,
Teus olhos, velas, trilhas nas florestas…

O meu verso, reverso da medalha

O meu verso, reverso da medalha;
Cortando, penetrando devagar,
Dilacera, sangrando qual navalha
Triscando a melodia do vagar…

Meu tempo, contratempo, Deus me valha
Pois quando estou vagando bar em bar;
Amores mal vividos, qual mortalha,
São tantos que naufrago nesse mar…

Vivendo sem ter cálice nem vinho,
Servindo de repasto para a dor.
Amante sem ter cama, sem ter ninho.

Meu verso, se traduz, encantador;
Reflete tanto amor, mas vou sozinho,
Buscando, no luar, ser o que sou…