domingo, janeiro 24, 2010

23450

Aéreos descaminhos vagas rotas
Antigos navegantes, barcos, naus;
Alvissareiros tempos? Pois o caos
Explode em cada curva, mas nem notas.
Subindo calmamente estes degraus
A fonte dos prazeres; cedo esgotas
Aonde imaginara fundas grotas
Os dias são terríveis, duros, maus.
Enquanto tu sonhavas melodias
As horas se passavam tão vazias
Diversas do que crias; ilusões.
Extorquindo a saudade em fartos pratos,
Sentimentos mordazes, pois ingratos
Movendo com certeza multidões...

23449

Encontro no teu corpo o magnetismo
Que tanto me seduz quanto me trai,
E quando nas estrelas, grande abismo,
O sonho em gozos fartos já distrai
O velho caminheiro em seu batismo
Desníveis enfrentando; logo cai.
Em meio às tempestades, tento e cismo
Nos olhos de esperança feito um pai
Que encontra no seu filho algum futuro,
Além do que deveras não depuro
Aguardo com real expectativa
Que a sorte se bandeie pro meu lado,
Meu tempo de sonhar diz do passado,
Porém minha alma, tola, segue viva...

23448

A voz que em altos brados nos liberta
Do algoz entre terríveis cadafalsos,
Os dias percorridos, ledos, falsos,
A história se mostrando tão incerta.
Havia no caminho alma desperta
Meus pés enfrentam urzes; já descalços
E bebo sem rancores tais percalços
Porteira da esperança sempre aberta.
Andasse pelas ruas e calçadas
Vagando sem destino em madrugadas
As trevas vão guiando quem barganha
E embora muitas vezes esperando
O dia noutro dia se entranhando
E a fé no amor remove esta montanha...

23447

Indefinível forma se apresenta
Ditando antigas normas e pensares,
Aonde se quisera então altares
A sorte com a morte se aparenta.
Paixão que um dia fora violenta
Agora se perdendo em lupanares,
Embriagado sonho se notares
Verás quanto o passado me atormenta.
Esgoto minhas forças neste bar
E danço a noite inteira sem parar
Fugindo do que outrora fora amor,
Agora se mostrando indiferente,
Ainda que deveras não se tente
Colher deste jardim pétala e flor...

23447

Indefinível forma se apresenta
Ditando antigas normas e pensares,
Aonde se quisera então altares
A sorte com a morte se aparenta.
Paixão que um dia fora violenta
Agora se perdendo em lupanares,
Embriagado sonho se notares
Verás quanto o passado me atormenta.
Esgoto minhas forças neste bar
E danço a noite inteira sem parar
Fugindo do que outrora fora amor,
Agora se mostrando indiferente,
Ainda que deveras não se tente
Colher deste jardim pétala e flor...

23446

Os versos agregados ao que sinto
Permitem decifrar o velho gozo,
E sendo sempre tolo este orgulhoso
Desenho em que deveras sigo extinto,
Não posso me calar, imenso instinto,
Vencendo o que pensara caprichoso,
E o tempo se mostrando tão danoso,
Mergulha no vazio em que me tinto.
Revigorada voz de um sonhador,
Ancoro meus anseios em teu cais,
E mesmo que se veja ao fundo a dor,
Não posso decifrar qual fora meu,
Aquilo que bem sei; terei jamais
E há tanto num descaso se perdeu...

23445

Uma estranguladora realidade
Tornando mais difícil caminhar
Vencido pela dor, o meu altar
É feito de terror e frialdade,
Expressando nos versos liberdade
Aonde poderia desvendar
Segredos que se aprende com a idade,
Vagando em noite fria bar em bar.
As roupas já puídas como o sonho
Que entranho e sem disfarces recomponho
Bebendo da aguardente mais atroz
Ninguém encontraria o que inda resta
Cadáver que abandono agora gesta
E a sorte se moldando como algoz...

23444

Douradas pelo encanto desta lua
As horas ditam sempre rara glória
E quando em minhas mãos, ela flutua
A sorte transformando nossa história,
Espalha tal beleza em cada rua,
A senda mais bonita e sempre flórea
Etérea maravilha continua
Brilhando a cada instante na memória.
Não deixo-me levar por falsos guizos,
Tampouco não suporto prejuízos
Aonde o desamor causara danos,
Sabendo das belezas destes sóis
Outrora aonde havia maus lençóis
Agora já percebo rotos planos.

23443

Moldando com carinho a nossa trama
Descrevo a maravilha em que ora vivo,
No amor que tantas vezes se reclama,
Eu busco amanhecer suave e altivo,
Não quero sonegar a imensa chama
Por ela tão somente sobrevivo
E quando o grande amor deveras chama,
Dos gozos deste sonho não me privo.
E teimo em procurar felicidade
Aonde se encontrara a claridade
Do olhar da bela diva, deusa nua,
Espalhas pelos cantos e calçadas
Que quando passas vão iluminadas,
Douradas pelo encanto desta lua...

23442

Aonde deposito o coração
Encontro tanto amparo que prossigo,
Bebendo da divina sensação
De ter após batalhas, meu abrigo,
Vivendo neste mar de sedução,
Eu quero estar deveras já contigo,
E sinto ter provável solução
Deixando para trás qualquer perigo,
E sei que tantas vezes me querias,
Tramando nos teus olhos fantasias,
Ardendo com fulgor em cada chama,
Assento esta emoção em tuas mãos,
E os dias semeando raros grãos
Moldando com carinho a nossa trama...

23441

Tu és do amor imenso, a mensageira
E sigo cada passo que tu dás,
A vida do teu lado é mais que queira
Um velho coração que sendo audaz
Entrega-se ao delírio da fogueira
Aonde nosso amor maior se faz,
Seguindo cada rastro alma se esgueira
E entrega-se ao desejo mais voraz.
Pudesse ter ainda nos meus olhos,
Diverso dos caminhos entre abrolhos,
O brilho que nos trouxe esta emoção,
Envolto nos teus braços, não me canso,
Sabendo finalmente do remanso
Aonde deposito o coração...

23440

Alvissareiros são agora os cantos
De quem por tanto tempo se fez dor,
E quando se envolvendo em tais encantos,
Colhendo a cada dia nova flor,
Secando desde já terríveis prantos,
Nas mãos o delicado e fino andor,
Momentos divinais, deveras santos,
Aonde se perfaz raro louvor.
Não deixe que este sonho um dia acabe
Tampouco que esta história em vão desabe
A sorte muitas vezes traiçoeira,
Mas sei que mesmo sendo movediça,
A vida do teu lado cedo viça
Tu és do amor imenso, a mensageira...

23439

Futuro em paz imensa se pressente
Depois de ter nos olhos tempestades,
Vivendo o que deveras já se sente
Afasto-me das dores, claridades
Bebendo com ternura se presente
Aquela a quem conduzem tais verdades
Uma alma carinhosa de repente
Explode nas vertentes das saudades.
E assim caminharemos sempre unidos,
Os dias solitários esquecidos,
Apenas teus anseios, teus encantos,
Vertendo neste amor raros momentos,
Deixando para trás medos, tormentos,
Alvissareiros são agora os cantos...

23438

Neste oceano imenso- amor- navego
Em busca de uma praia ou de um tesouro,
Enquanto a tais desejos eu me entrego
Encontro em teu abraço o ancoradouro,
E sei que navegara outrora cego,
Agora nos teus olhos eu me douro,
Os erros do passado nunca nego,
Encanto que pressinto duradouro.
Descreves com ternura cada fato,
E sei que em teu sorriso me retrato,
Vivendo esta alegria tão somente.
O quanto sou feliz jamais omito,
No amor que se transforma quase em mito,
Futuro em paz imensa se pressente...

23437

Sorvendo nos teus olhos o luar
Incomparável brilho que ora sinto,
Dizendo da beleza de te amar,
Com cores mais suaves, dias pinto,
O templo dos prazeres, nosso altar,
Jamais será decerto em vão extinto,
E quanto mais procuro te encontrar
Nos mares dos anseios; solto o instinto.
E bebo destas águas tão lascivas
Mantendo as velhas chamas; sempre vivas,
Alvissareiro canto em que me entrego,
Nos tantos caminhares que encontrei,
Apenas em teus braços mergulhei,
Neste oceano imenso- amor- navego...

23436

A história deste amor não terá fim
Tampouco desfiando dor e tédio,
Nos olhos de quem amo; vejo enfim
Dos males que encontrei santo remédio.
O tempo se desfila e vou assim
Vivendo a maravilha deste assédio,
Enfeito com delírios o jardim,
E trago bem mais firme o nosso prédio.
As bases deste amor são eternais,
Desejo e te procuro sempre mais,
Não quero e nem posso descansar,
Ao ver tanta beleza se espraiando,
O mundo nos teus braços entregando,
Sorvendo nos teus olhos o luar...

23435

Colheita fabulosa que prevejo
Trazendo tal ventura ao sonhador
Que envolto pelas ânsias de um desejo
Mergulha sem defesas neste amor,
A vida não passando de um lampejo,
Ardente e delirante traz calor
E o quadro mais feliz que agora vejo
É feito da esperança em clara cor.
Negar esta existência é ser venal,
O encanto se demonstra no final,
E beijo a tua boca carmesim,
Trazendo para mim imenso gozo,
O tempo se mostrando prazeroso,
A história deste amor não terá fim...

23434

Um mundo mais tranqüilo e tão bonito
É tudo o que deseja quem procura
Por mais que esteja só e agora aflito
O encanto deste sonho já perdura,
A noite em que se dá divino rito
Jamais será decerto mais escura,
Pensando neste tanto eu exercito
A voz numa canção feita em ternura.
Mergulho na beleza de teus braços,
E sinto no calor destes abraços
A fonte inesgotável de um desejo
Ao qual eu me entregando sem pudores,
Encontro finalmente belas flores,
Colheita fabulosa que prevejo...

23433

A noite em fantasias do meu bem
Durante tanto tempo se fez minha,
E quando uma tristeza não convém
A sorte deste encanto se avizinha,
Não quero ter nos olhos outro alguém
A vida em tua vida já se aninha,
Mergulho no passado e vivo aquém
Do sonho que deveras sempre tinha.
Apenas um cansado caminheiro
Que tanto desejou ser mensageiro
Da paz na qual deveras acredito,
E tendo nos meus olhos a esperança,
O amor que nos unindo cedo alcança
Um mundo mais tranqüilo e tão bonito.

23432

Por onde se desviam nossas vidas,
Apenas solidão ainda trago,
Deixando para trás noites dormidas
Sem ter sequer do amor algum afago,
Perpetuando as dores, não duvidas
E vês a cada dia um novo estrago,
Perceba nossas camas repartidas,
E veja a placidez de um manso lago.
Quisera ter a sorte de poder
Vivenciar deveras o prazer
Do qual a minha sorte é uma refém
No quarto de dormir, acendo a luz
E vejo que o sorriso reproduz
A noite em fantasias do meu bem...

23431

Agora já percebo rotos planos
Aonde imaginara alguma sorte,
A vida sonegando ao peito o norte
Promete tão somente mais enganos.
Encubro-me deveras com tais panos
E neles a mortalha diz da morte,
Não tendo nenhum bem que me suporte,
Depois da tempestade, graves danos.
Morrendo entre os diversos fundamentos,
Percorrem os caminhos, pensamentos
Ungüentos nas escaras e feridas.
Apago da lembrança este passado,
O mundo que eu queria diz do Fado
Por onde se desviam nossas vidas...

23430

Das flores a beleza de um ditame
Expressa-se em raríssimos matizes,
Polinizando a vida, cada estame
Molduram os momentos mais felizes,
Aonde se procura o bem que se ame
Embora muitas vezes vãos deslizes
Sem ter onde e com quem inda reclame
Gerando inevitáveis cicatrizes.
Aonde em que jardim tu te escondeste?
O mundo sem te ter se torna agreste
E o tempo de sonhar em paz? Revê-lo
E ter esta certeza que o canteiro
Entregue ao mais devoto jardineiro,
Cuidado com carinho e tanto zelo...

23429

Na ponta desta língua peçonhenta
As marcas das mentiras e armadilhas,
Aonde tu pisaste, amargas trilhas
Um frio amanhecer já se apresenta,
A mão que acaricia e me apascenta
Diversa desta estrela em que não brilhas
Distante dos teus olhos tantas milhas,
A morte numa espreita violenta.
Aguardo a qualquer hora o bote insano,
E sei que neste caso não me engano,
Decerto fria serpe me aguardando,
Aonde imaginara um tempo calmo,
Invés da mansidão de um belo salmo,
Satânica presença me espreitando...

23428

A luz que se fazendo tropical
Expressa a violência de um desejo,
Se na ponta afiada do punhal,
O corte mais profundo, ora prevejo.
Não tendo nas esquinas o fatal
Delírio que demonstre tal lampejo,
Nas ondas de um soberbo carnaval,
Contra as minhas vontades eu pelejo.
Fizera esconderijo em tuas pernas,
As honras em prazeres são eternas
Na simples duração de alguns segundos.
Orgástica e sublime fantasia,
A bala se perdendo propicia
Dicotomia louca de dois mundos...

23427

Difícil compreender a poesia?
Dos mundos que deveras fantasio
O quanto de mim mesmo não se guia
Tampouco pelo verso, quente ou frio.
Mentiras num poeta? Alegoria.
O quadro se emoldura como eu crio,
A vida passa a ter policromia
Nem tudo o que é verdade propicio.
Utópicos os tópicos que tento,
Às vezes paciente ou violento,
Feroz ou tanto manso quanto sou,
Versáteis os caminhos de quem sabe
Que tudo em palavras sempre cabe,
E nelas sem perguntas, mergulhou...

23426

Minha alma numa escura charqueada
Voltando desta espúria insensatez,
Depois de tanto tempo se desfez,
Negando a própria história, escravizada.
Visando uma esperança abandonada
O quanto se procura em lucidez,
No quarto das lembranças, minha vez
Dizendo do que outrora fora nada.
Aguardo um novo dia, mas sei bem
O quanto este vazio me convém
E dele faço o sonho em que mergulho.
Viver ao deus dará sem eira ou beira,
Depondo sobre o chão; cada bandeira;
Porém a luta traz imenso orgulho...

23425

Nos últimos momentos, besta fera
Mostrando as suas garras afiadas,
No olhar propenso ao medo, esta pantera
Explode em raras cores disfarçadas,
Aonde se pudesse primavera,
As horas não traduzem alvoradas,
Negando o que da vida já se espera,
As mortes sem pudor anunciadas.
Escravo desta estúpida loucura,
Aonde se percebe e se tortura
Quem tem opinião mais controversa,
Falar do bem da vida é sempre bom,
Mas quando a realidade dita o tom,
Verdade sendo expressa só dispersa...

23424

Necrófagas e toscas criaturas
Que vivem do nefasto e do sombrio,
Ao mesmo tempo enquanto desafio
Entraves entre pedras; emolduras;

Criaste com teus medos as agruras
E neste desencanto ora desfio,
O canto em que me mostre o medo e o frio,
Aonde sem pudores finges curas.

Não posso me furtar ao brado insano
E mesmo que deveras noutro plano,
Incendiando a Terra profanada,

Descrevo o pandemônio em que ora vivo,
Um mundo na verdade tão nocivo,
Do qual não se aproveita quase nada...

23423

Não julgo, mas direito de pensar
Um fato que jamais discutirei,
Quem tem Nosso Senhor que é Deus e Rei,
Aprende desde sempre a perdoar.
Também nos ensinando o bem de amar,
As lutas pelas quais eu me engajei
Dizendo deste amor, não estranhei
O quanto é necessário caminhar.
Mas tendo por princípio que ao pastor,
Ovelhas conduzindo e sendo probo,
Não deve desviar-se nem propor
A mesma realidade em senso prático,
Não quero ter na frente um fero lobo,
Perdoe se em verdade sou lunático...

23422

Outrora ultra-romântico poeta
Agora simplesmente um perdedor,
Vencido pelas fúrias de um amor,
A vida sem ter vida não completa
O ciclo aonde a sorte predileta
Trazia em suas mãos, um raro andor,
Na vida, eternamente um amador,
Cupido sem juízo errando a seta.
Apenas o vazio como herança
Vivendas entre flores do passado,
O sonho se mostrando abandonado,
No imenso precipício alma se lança,
E o vento assobiando no telhado,
Demonstra quão, deveras fui errado...

23421

Agrestes companheiros de viagem
Aonde se escondeu a estrela guia?
Morrendo como fosse a poesia
Não tendo mais o sonho na bagagem,
Apreciando a tosca paisagem,
A vida se desfaz, mas se recria
Perpetuando assim a fantasia,
Tirando o pensamento da garagem.
Viver nestes neons que o tempo traz,
Deixando para trás o bem do sonho,
O mundo que deveras eu componho
Querendo no final, somente paz,
Mesquinhos desenganos; acumulo,
Da fera atocaiada, aguardo o pulo...

23420

Minha alma a pó e pedra reduzida
Depois de ter vencido os descaminhos,
Aonde se quiseram simples ninhos,
A morte destroçando o que era vida.
Perguntas sem respostas, já perdida
A sorte que em momentos de carinhos
Negara ao caminheiro tais espinhos,
Mas sei que na verdade não se olvida
O canto distorcido em que dizias,
Dos fogos de artifício de alegrias
Imorredouro sonho; agora morto.
Não tendo mais descanso sigo só,
O amor se reduzindo à pedra e pó
O barco procurando ainda um porto...

23419

A sombra do passado não se afasta
E toma este cenário em grises cores,
Seguindo cada passo aonde fores,
A voz se torna assim, mordaz, nefasta.
A corda que nos une agora gasta,
Não deixa que se pense mais em flores,
Descrevo nestes versos minhas dores,
E o grito não contido; solto: Basta!
Já não quero saber das falsas luzes,
Cansado de pisar em tantas urzes
Aonde quis a paz, trouxeste guerra,
Num agradável sonho que compus,
A sorte se desfaz da própria cruz
E o amor que nos unia, o tempo encerra...

23418

Na idéia de um valente cavaleiro
Aonde se fizera um bom amante,
A lua se mostrando radiante,
Deitando rara prata no canteiro,
Mergulho sem defesa e vou inteiro
Não quero ter a dor um só instante
O amor um mensageiro mais constante
Dos sonhos, o maior e o derradeiro.
Não pude segurar este desejo
Que aflora em cada verso quando vejo
A luz que se irradia em teu olhar,
Assim podendo estar em liberdade,
No amor encontro paz e claridade,
Vivendo tão somente por te amar...

23417

São fogos passageiros da esperança
Apenas e somente vejo assim,
As flores que cevaste no jardim,
Trazendo para a vida esta mudança.
Agora vivo em plena temperança,
Sabendo desde sempre qual o fim,
E enquanto a poesia já me alcança
Eu sinto que serei feliz, enfim.
Alvissareiro canto que em promessa
Ao mesmo tempo enquanto recomeça
Por tantas emoções vivi e vivo,
Mantendo esta alegria inabalável,
O verso se promete mais amável,
E dele, e só por ele sobrevivo...

23416

Os dias em que estive do teu lado,
Bem sei o quanto foram tão vitais
Ao velho coração enamorado,
Momentos na verdade sem iguais,
Aonde retornando do passado,
Vivendo em cores raras, magistrais
Eternamente insano e iluminado
Bebendo das auroras boreais.
Não posso me furtar ao sonho bom,
Aonde a poesia dita o tom
E faz com que eu me eleve ao bem supremo,
Contigo, nada mais serve de exemplo,
Sabendo que endeusei-te neste templo,
Deveras neste amor mais nada temo...

23415

Às normas, leis e regras, obedeço
Enquanto sou poeta e quis voar,
Andando sobre as teias do luar,
Nos raios mais audazes eu me teço.
Na vida tudo tem valor e preço,
Mas nada se compara ao bem de amar,
Aonde com certeza tanto apreço
Merece muito mais que possa dar.
Confesso o quanto quis e nada vinha
Senão este vazio que apresenta
Uma alma tão serena ou violenta;
Eterna navegante que, sozinha,
Aguarda algum momento em paz; distante
Dos medos que desfila a cada instante...

23414

Ao voltar ao começo, nas origens
Dos seres eu concebo um Deus presente
Que embora sendo enfim onipotente
Deixando como marca nossos gens,

Quem somos e deveras de onde vens
Na forma em que a verdade se apresente
O Poderoso Pai onisciente
Cedeu à própria vida vários bens.

Mas o homem, criatura intolerante
Pensando-se divina se propõe
A dominar a cada e todo instante

A herdade aonde fez sua morada,
E aos poucos o que resta decompõe
Do todo que recebe, deixa o nada...

23413

Ao vento se espalhando tais fuligens
Os vermes entre vermes reciclando
O tempo de viver já se esgotando
Voltando ao mesmo nada das origens,
Na gênese da história nossos gens
Num vário movimento, desde quando
O início noutro início se tornando,
Dizendo quem tu és e de onde vens,
Revelam-se os escárnios da Natura,
Que sendo tão sublime mesmo impura
Permite uma existência após a morte,
Cadenciando assim eternidades
Nos átomos, moléculas, verdades
Que ditam sem saber a nossa sorte...

23412

Endêmica loucura nos tomando,
Atrozes fantasias, medos fartos,
Escassas alegrias, morte e partos,
O verbo de outro verbo se formando.
Outrora um passo leve e mesmo brando,
Agora a luz ofusca em tristes quartos,
Meus erros consumindo a paz. Descarto-os.
Porém eu sei o quanto sigo errático,
Aonde desejara ser mais prático,
Enfáticos desmandos do insensato,
Ecléticos caminhos, vário ciclo,
O quanto me sonego já reciclo
Momento em opulência; em ti retrato...

23411

Germina neste solo o que era grão
E abortam-se deveras outros tantos
Assim em meio a risos, dores, prantos,
Encontro a cada dia a evolução.
Do ser original, transformação,
E nisso a maravilha e desencantos,
Fragilizada vida traz nos mantos,
Mortalhas entre flores, sedução.
Arcando com desertos entre matas,
A vida noutro tempo já resgatas
E moldas sem saber outros caminhos.
Por isso na verdade somos feitos
À imagem da Natura e seus defeitos,
No etéreo transmudar túmulo e ninhos...

23410

Adentro estas hostes onde a plebe
Devora seus cadáveres e ri,
O verso mais perfeito existe em ti,
E nele a própria vida se concebe,
A morte se desnuda e sempre bebe
Do corpo que esmagaste e está aqui
No prato e nos banquetes que servi,
Prazer o transmudando já recebe.
Vorazes criaturas; refazemos,
Depois é nossa vez num reciclar
Eterno caminhar. Nele morremos;
E após a nossa morte e podridão
A vida se refaz até voltar
De novo como morte para o chão...

23409

Minha alma num tropismo insofismável
Aguarda o seu descanso, após as guerras
E quando os restos podres tu enterras
Não creia ser um fato lastimável,
O beijo carinhoso e tão amável
No olhar que agora morto tu descerras,
Olhara para além, vencera serras
E agora se entregando, inevitável...
Acolha cada lágrima, querida
E saiba que sem dor e despedida
A vida após a vida noutra face.
E o tempo mostrará, tenha certeza,
No refazer eterno, a Natureza
Impede que o final eterno embace...

23408

No olhar de quem sorri leda desgraça
Vencido não percebe o próprio fim,
O quadro se define e sigo assim,
Por onde uma esperança não mais passa.
Apenas o vazio a vida traça
E a fonte já secando dentro em mim,
O medo retornando de onde vim
O corpo se tornando uma carcaça.
Espero o gozo pleno; ato final,
Da peça feita em vida, um ritual
Do qual ao fazer parte, fui um traste.
Levando dos meus dias, meras luzes;
Pisando sobre espinhos, tantas urzes,
Aquele em que cuspiste e sonegaste...

23407

Crepuscular imagem que cultivo
Nos versos que ora faço, morto em vida,
Aonde se pensara uma saída,
Da arcaica podridão enfim me crivo.
Não quero mais um tom tão agressivo
Que mostre a tua face envilecida,
Também não quero a faca que me agrida,
Sombrio e carcomido sobrevivo.
Aonde poderia ter a sorte
De crer na eternidade após a morte
Eu tenho tão somente a negação,
O quanto resta ainda me tortura,
Deixando como um rastro de amargura
O meu corpo em fatal putrefação...

23406

Quem dera tão somente um plenilúnio
Moldando em luzes fartas noite em trevas
As horas que tivemos, onde nevas
Tramando com firmeza este infortúnio.
Sem ter sequer na vida um sonho. Pune-o
Fantástica tormenta adentra as cevas
As almas que das almas seguem servas
Devoram teu sorriso tolo. Exume-o.
Verás que não restara nem o odor
Das fétidas loucuras que encetaste,
O fardo que condena-te ao desgaste
Trazendo em tuas sombras o bolor
Do qual tu te alimentas entre pragas,
E a fera que indomável, logo afagas...

23405

Amarguradamente os dias correm
E o tempo não socorre quem sonhara
A sorte de quem ama, sendo rara,
Momentos que deveras não me ocorrem.
E enquanto as fantasias tolas morrem,
O beijo num escarro se declara,
Portal de um tosco inferno se escancara
Eflúvios putrefeitos ora escorrem,
Não pude ser aquele que sonhava
Com algo além da fúria desta lava
Que a humanidade traz como uma herança
Maldita desta serpe tentadora
Matando imagem pura e redentora
Do que pensara ser uma esperança...

23404

Olhando para o túmulo que espera
As marcas do passado; ainda vivas
Imagens que pensara mais altivas
Demônios entre os dentes, besta fera.
O medo do futuro não tempera
As horas que inda restam; delas privas
Enquanto em cores mórbidas te crivas
A morte em nova vida degenera.
Servil como se fora um tosco cão,
Regando com suor a plantação
Figura mera e fátua; um campônio
Que expressara no riso uma alegria
De uma alma tão simplória que desfia
Nos olhos rubros lábios de um demônio...

23403

Ao ver a minha imagem, velhos risos
Deveras sem esmero a podridão
Tomando este cenário desde então
Sinais dos dias negros e imprecisos.
Estéreis emoções em vagos frisos,
A carne decomposta, a solidão,
O verme que procura na amplidão
Da sorte os mais sinceros, claros guizos.
Carcaça sendo aberta e o peritônio
Delírio aonde festas diz demônio
Especulares sombras de um fantasma,
Magérrimas imagens que ora crias
Fugazes tais figuras mais sombrias
Apenas o que resta, um vão miasma...

23402

Qual fora um animal inferior
Protozoário ou mesmo uma bactéria
Vivendo do escárnio da matéria
Apenas o vazio a te propor.
No quanto se fez podre o que era amor
Ainda se imagina a luz sidérea
Já não suportaria a fonte etérea
Por onde se moldasse a simples cor;
Medonhos os diversos descaminhos
Os dias que virão sempre sozinhos
O féretro se aguarda em velas, ritos,
Os dias que se mostrem mais simplórios
Na louca efervescência dos velórios
O corpo sendo exposto aos falsos gritos...

23401

Esterco do que outrora se fez glória
Agora o que me resta é ter ainda
A luz de uma tarde que foi linda
Morrendo dia a dia em tosca história.

Deveras esquecido na memória
Daquela que o futuro já deslinda
Cumprindo a minha etapa que se finda
Deixando a tarde fria e merencória...

Apenas se escoria quem deveras
Pensara ter nos olhos a alegria
E vendo tão somente amargas feras

Nefasta criatura a quem amei,
E o tempo na verdade desafia
Mostrando ser vazia a minha grei...

23400

Ao evangelizar com falsos mitos
Espalhas entre tantos; divergências
O Amor sempre comporta as inocências
E os dias mais tranqüilos, leves ritos.

Mas vendo a multidão; tolos aflitos
Não posso me curvar às procedências
Infaustas dos demônios que em ciências
Traduzes como fossem torpes gritos.

E neste hermeticismo a defesa
Daqueles que sem Deus por esperteza
Vendendo a fria imagem de um Satã

Que invés de perdoar traz nas vergastas
Justiça em que da glória logo afastas
Tornando cada ovelha espúria e vã...

23399

À Natureza humana o meu desprezo,
Disformes criaturas deuses criam,
Nos olhos violentos já procriam
O irmão que sendo frágil e indefeso

Sentindo em suas costas todo o peso
Dos vermes que deveras se inebriam
Do sangue de seus pares; descumpriam
As ordens de um Senhor, do amor defeso.

Excêntrico cadáver ambulante
O ser já decomposto, mas falante
Expressando em orgásticas loucuras

Vertentes conflitantes, vida e morte,
Negando ao próprio filho algum suporte,
Nas noites em sangrias e torturas...

23398

Queria algum prazer cotidiano
Aonde mergulhasse sem defesas,
Ao crer bem mais plausível tais belezas,
Por vezes, tão ingênuo eu já me engano.

O fogo das loucuras sendo insano,
Servido como fartas sobremesas,
Enquanto houver terríveis correntezas
A sorte se moldando em novo plano.

Acasos entre farpas, fados, facas,
Medonhas fantasias quando atracas
Saveiros entre portos, mortos cais.

Assegurando apenas o vazio
Que enquanto num delírio propicio
Expressas negações fenomenais...

23397

De todas as espécies sobre a Terra
O ser humano mostra os seus sinais,
Refaz os mesmos erros ancestrais
Enquanto uma esperança já se enterra.

Além da sensação que nos desterra
Momentos variáveis, magistrais
Envoltos por anseios animais,
Do vale se percebe ao longe, a serra.

Assim não poderíamos viver
Pensando ser de Deus, a semelhança,
Outrora fora feito uma aliança

Porém a humanidade a se perder
Voltando à sua origem mais nefasta
Da perfeição divina já se afasta...

23396

Na solidariedade vejo a luz
Que possa nos guiar ao Deus em paz,
E quando uma alegria já se faz
No verbo que ao prazer nos reconduz.

Percebo neste espelho quando nus
Os homens que viveram muito atrás
Agora, este vazio não mais traz
Senão a sensação de peso e cruz.

Ausência da inocência nos permite
Que em dúvidas caminhe a humanidade,
Não tendo no saber qualquer limite,

É necessária; sim, a informação,
A todos Deus cedeu a claridade,
Só não temos poder de criação...

23395

Sentindo a vergastada no meu dorso,
As vésperas da morte a dor emana
Um quadro aonde a sorte soberana
Já não suporta mais qualquer esforço,

E quando num espasmo eu me contorço
O rastro da ventura da alma plana
E o gozo do martírio me profana
E a própria realidade; ao fim distorço.

Não posso me furtar e nisto creio,
Aonde houvesse ainda algum centeio
Lavrado com o sangue dos campônios.

Acerco-me das tramas que enveredo,
Vislumbro neste olhar tosco segredo,
Qual fosse legião de vãos demônios...

23394

Qual brâmane adentrando o ser; repenso
As várias influências que recebo
Diversas são as fontes de onde bebo
Um mundo variável, pois imenso.

Não quero me mostrar apenas tenso
Enquanto outros caminhos; já concebo,
Saídas divergentes, eu percebo,
Sabendo ser a mente, um mar extenso.

Nirvanas que buscara no silêncio,
Temor sem a alegria é vão; compense-o
Com algo que remeta à fantasia.

O fato de viver nos dá ciência
Do quanto é necessário a paciência
Que tanto nos acalma enquanto guia...

23393

Ao ver a metafísica saída
Abandonando a crua realidade,
Adentro o cristianismo que em verdade
Domina o pensamento e rege a vida.

E nele encontro a paz. Não se duvida
Do mundo que se molda enquanto invade
Mostrando nossa vã fragilidade
Quando a esperança foge e está perdida.

Pudesse; circunspecto ver na crença
Além do que talvez não me convença
Portal aonde escapo das tormentas.

Mas vendo sem vieses tolo mundo,
Na entranha do meu ser eu me aprofundo
E envolta em fortes luzes me apascentas...

23392

Um fato deslumbrando na existência
A luz mesmo em penumbra; assim resiste,
E quando o coração se mostra triste
Talvez ainda reste uma inocência.

Ao homem que da morte tem ciência
A imensa tempestade ainda insiste,
Enquanto esta esperança vã desiste,
Minha alma segue exposta; então, convence-a.

Nos trajes das antigas ilusões
Mesquinharias tolas, emoções,
Vasculho pelos cantos e me entranho

Dos cânticos de outrora, o mensageiro
Nefasto do real e verdadeiro
Quem dera dos meus sonhos, fosse estranho...

23391

A face miserável da verdade
Expondo em cada ruga o tempo atroz,
Que doma e toma o rumo e nos invade,
Calando pouco a pouco a nossa voz.

Quem dera se tivesse a qualidade
De ter em minhas mãos o mundo após
Vivenciar a dor da tempestade
Que ataca em persistência a todos nós

Volvendo ao meu princípio em carrossel,
Mas quando já cumprido o meu papel
Somente a morte trama algumas fugas,

Durante os meus momentos terminais,
Lembrando dos instantes germinais,
O espelho dita o Fado exposto em rugas.

23390

Não fosse a poesia ingrata amante
A vida não teria mais sentido,
Apenas um fantasma desvalido,
Que segue na penumbra, mas constante.

Prevejo no vazio a voz que encante,
Hermético poeta; atroz, me acido.
Enquanto com palavras tolas lido,
O amor se torna ausente ou mais distante.

De todas estas dores, ando farto,
Aguardo sem demora algum infarto
Aonde tanto enfado se desfaça.

O corpo se desfaz a cada dia,
Invés de uma esperança ressurgia
Sombria sensação de morte e traça...

23389

No amarelecimento dos meus dias
Outonos entre trevas e neblinas
Porquanto cada sonho tu dominas,
Ao longe se perdendo as fantasias.

Diverso do universo que ora crias,
As horas que entre luzes determinas
Por vezes enganosas e ladinas,
Causando dentro da alma tais estrias...

E assaltam-me os desejos de outras eras
Voltando ao meu olhar as primaveras,
Mas vejo; se aproxima o duro inverno,

Amortalhadamente a vida expõe
Enquanto a carne aos poucos decompõe
Visão alentadora deste inferno...

23388

Quisera dentro da alma sem dispêndio
Poder crer num momento mais audaz,
Porém a sorte infausta logo traz
Nos olhos o terror de um vilipêndio.

Sem ter quem trame o riso, ou mesmo atende-o
Percebo-me dos sonhos, incapaz,
E quanto mais procuro a vida em paz,
Maior a sensação de torpe incêndio.

Na véspera da morte; o ritual,
O beijo da esperança me faz mal,
E o gozo incontrolável do sarcástico

Irônica pantera me desvenda;
Cigana desventura adentra a tenda
Num cáustico delírio um final drástico...

23387

Perpetuando em mim a sanguessuga
Que outrora se fizera amante e amiga,
Expondo no meu rosto cada ruga
A sorte ao mesmo tempo desabriga.

E enquanto a vida aos poucos tudo suga,
Nefasta companheira tão antiga
A pele decomposta já se enruga
Que um andarilho em rotas vãs prossiga

Necrópsia de uma estúpida esperança
Ao férreo percorrer desta lembrança
Lançada num esgoto, em vale obscuro.

A pérfida ilusão velha senhora,
No escárnio derradeiro se demora,
No intenso efervescer que em ti procuro...

23386

Acima dos meus ermos, velho teto
Escombros do que fomos nesta sala
Minha alma da ilusão, simples vassala
Buscando em qualquer parte algum afeto.

Nas sendas mais doridas me completo,
Enquanto a dor decerto me avassala
A morte, esta quimera enfim me cala,
Mas nela, um ser vazio, eu me repleto.

Da fétida e terrível podridão
Renascem esperanças, solução?
Quem dera, simplesmente a mesma história...

Ao ver este fantasma destroçá-la
Ignara criatura, nada fala.
Ao fim dos vagos dias, mera escória...

23385

Descendo ao mais profano e escuro vale
Encontro os meus fantasmas e os devoro.
Volvendo a superfície em fogo e cloro
Sem nada que inda impeça ou quem me fale

Do quanto esta emoção de nada vale,
No verso mais sensato ainda imploro
Em tanto desapego me decoro
Por mais que no costado o açoite estale.

Esquálida figura; em vão prossigo,
Fazendo de minha alma o esconderijo,
Ao vento suplicando a paz erijo

E o tempo me condena ao desabrigo,
Mergulho sem defesas neste abismo,
E espero novamente um cataclismo...

23384

A luz que se sonega em tarde escura
Neblinas esfumaçam a esperança
E quando aos teus vazios a alma lança
O medo que deveras já perdura,

O quadro se mostrando sem moldura,
Aonde encontraria temperança,
Não vejo perspectiva de mudança
A sorte em vagas rotas nega a cura

Mal sinto esta presença que me alente,
Um dia se mostrando atroz e quente
O resto do caminho não perfaço,

Deixando nos espinhos minha pele,
Enquanto a realidade me repele,
Vencido pela dor; pelo cansaço...

23383

Lançando-me ao abismo que criaste
Com teus desejos falsos e tenazes,
Por mais que se mostrassem mais audazes
Os dias sem teus passos perdem a haste.

E quando se permite tal desgaste,
Além do que em verdade nada trazes,
Mesquinhos e decerto tão vorazes
Os traumas mais ferozes; provocaste.

Recebo o vento frio como fosse
Um ato de ternura, um beijo doce
Da fera que se esconde sob a pele

Daquela criatura em voz suave,
Somente tendo a dor que tanto agrave
À morte inadiável me compele...

23382

A fera que em minha alma não sossega
Restando neste canto; atocaiada,
Depois de tanto encanto sobra o nada,
Vazio que esperança não navega.

Perdesse as ilusões, seguisse cega
Minha alma pela sorte abandonada,
O amor jamais se deu à minha alçada
Pudesse ter ao menos uma entrega

Aonde decifrasse estes enredos,
Porém deste vazio, meus segredos,
Num cofre que se expõe às tempestades.

Mudando ao fim o rumo deste Fado,
Deixasse para trás terror e enfado,
Por mais que a realidade tu degrades...

23381

Do quanto se me sentira abandonado
Nefastas as manhãs, dourados sonhos
Aonde ainda houvera um belo prado,
Meus dias prosseguindo em vão, medonhos.

O quadro muitas vezes revelado
Momentos que julgara mais risonhos
Apenas o reflexo do passado,
Mergulho nos espaços tão tristonhos.

Bisonhos os desejos de quem tenta
Viver a paz que nunca mais tivera.
Nos olhos da ilusão, cruel pantera

A morte se apressando violenta
E o fardo que carrego sendo imenso,
A um tempo mais feliz? Jamais propenso...

23380

O tempo em que se perde já chegando
Mereço tal destino, a morte em riste,
Pudesse ser ao menos bem mais brando,
Mas sei que ao dom do amor ninguém resiste.

Não pude decifrar querida, quando
O coração se fez amargo e triste,
No quanto desejei, mas mergulhando
No vago deste mar, o medo insiste.

E trama outra saída; não resisto,
Oferto em sacrifício cada sonho,
E o quadro se desfaz, nada componho,

Percebo em cada esquina um novo Cristo
Acorrentado aos vãos de um mundo injusto,
E acreditar na sorte, agora eu custo...

23379

Pudesse dia a dia acreditar
Nas ondas que na praia já se esfumam,
As dores tão freqüentes me acostumam
A ter em minhas mãos demônio e altar.

Nas aquarelas várias ao pintar
Belezas que vagueiam e se aprumam,
Diversos dos caminhos em que rumam
Os raios luminosos do luar.

Aos pés de quem desejo, mas não creio
Ainda ser possível ter nas mãos,
Os versos mais audazes; teimo e crio

Crivando o pensamento neste anseio,
Mesmo sabendo serem todos vãos,
O grito solto ao vento, no vazio...

23378

A mente inda receia algum ocaso,
E nada mudaria enfim meu Fado,
O quanto se mostrasse degradado,
Ao menos não teria rumo ou prazo,

E quando mergulhando neste acaso,
O gosto amargo resta demarcado,
Levasse uma esperança que ao meu lado
Um tempo mais feliz ainda aprazo.

Mas vendo um ser incômodo e indefeso,
Soltando sobre mim o imenso peso,
Faltando uma saída, aonde possa

Viver tranqüilidade que ora ausente
Por mais que outra verdade ainda tente
A vida não passou de tosca troça...

23377

Pudesse n’alguma ilha ter descanso
E a vida se moldasse mais tranqüila,
Porém ao sonegar qualquer remanso,
Veneno a cada passo se destila.

E o quanto de esperança ainda alcanço,
Distante da cidade, rua ou vila
Os pés sobre estas cordas finas; tranço,
Funâmbulo insensato em vão desfila.

Ao menos quem soubesse aonde encontro
Além de tão somente desencontro
Semente que permita bela lavra.

Não pude me calar, sigo em pedaços,
Do mundo que sonhei; só meros traços,
Fazendo da esperança vã palavra...

23376

Movido tão somente pelo medo,
Terrores invadindo o pensamento,
Pavor a cada dia em incremento
Aonde poderia a paz: degredo.

E quando alguma luz; parca, concedo,
Numa explosão insólita inda tento
Fugir dos meus fantasmas, mas atento
O tempo decifrando este segredo.

E o fim que se aproxima dita as normas,
Imagens delirantes tu deformas
E os arcos se tornando mais estreitos.

Num pesadelo envolto em sangue e guerra,
A sorte vaga à solta e se desterra
Os rios mudam cursam, secam leitos...

23375

Imensa torvação meus sonhos tinge
Em rubros tons, matizes mais sanguíneos
Buscara tão somente teus fascínios
Porém a solidão feroz me atinge.

Uma alma que deveras cedo finge
Deixando no passado seus domínios
Ainda traz temores. Elimine-os.
Senão a cada dia nova esfinge.

Palavra muitas vezes desconexa
A sorte se moldando ainda indexa
Vestígios de uma sombra assustadora.

Mesquinhas alvoradas não virão,
A morte mostra o rumo e a direção
Orquestrando esta paz já redentora...

23374

Dantescas emoções, barcos sem rumo
Expressam o vazio que me deste,
E o quanto sem ninguém já não me aprumo,
Distante do caminho em que vieste.

O corte se aprofunda e logo assumo
Rasgando cada parte desta veste,
A pele- que em verdade é um resumo
Da pútrida carcaça que reveste

Um fétido e banal pária sem nexo,
Por mais que se pareça mais complexo
Ao fundo esta paisagem nada diz,

Apontam-se no céu nuvens escuras,
E quando pelas sombras tu procuras
Não vês numa sarjeta este infeliz...

23373

Um velho fingidor, tolo farsante
Que sabe muito bem usar o dom
De ter em suas mãos, música e tom,
E segue o seu caminho cambiante.

Na vaga sensação de um mero instante
Por vezes disfarçando algum batom
Escuta sem ouvir, sons de um pistom
Cavalga este vazio, galopante.

E o quanto se mentindo vai ou vem
No fundo nada sabe sobre alguém,
Porém toca profundo dentro da alma;

Bufão e muitas vezes menestrel,
Nas mãos contendo o inferno, bebe o Céu
Gerando a tempestade que ora acalma...

23372

Andara com meus pares juntamente
Vivendo o que talvez não mais seria
Além desta quimera, o vento guia
Mereceria a sorte; esta inclemente.

Nos bares em que adentro se pressente
Invés de riso e glória, a sintonia
De seres em que a vã melancolia
Tomara quais reféns, completamente.

Agora não pressinto outro caminho,
Seguindo acompanhado e até sozinho
Num átimo mergulho no meu ego.

E quando imaginara alguma luz,
Percebo que ao vazio se conduz
O passo sem destino em rumo cego...

23371

Em noites tão diversas e profanas,
Rolando os meus prazeres entre bares
As sortes muitas vezes desumanas
Até que ao conheceres e notares

Que embora caminhasse por semanas
Nos antros, velhos guetos, lupanares
Enquanto mais distante desenganas

Pudera ter ao menos um motivo
Dizendo deste modo que hoje vivo
Carpindo minhas dores sem destino.

No quanto desejei e me perdi
Volvendo o meu olhar encontro a ti,
E embora isto desdiga, eu me fascino...