terça-feira, junho 06, 2006

EPIDEMIA

Sabia que restavam poucas horas, poucos minutos, era uma questão de tempo. Favas contadas, sabia que não tinha mais escolha.
Recebera a notícia havia muito pouco e essa era a sua última manhã.
Fora a vida inteira um pragmático. Sabia que a morte era inevitável.
Até a desejava, no íntimo.
Daria tempo para arrumar o quarto? Mas, para que arrumar se nunca mais seria seu, se nunca fora e não mais dormiria naquela cama.
Tudo seria incinerado, tudo.
Tinha consciência disso, inclusive fora um dos principais lutadores para que fosse assim.
Seu sacrifício seria a salvação de muitos, mas não de todos. A mulher já tinha ido embora, graças a Deus!
Levara pela mão o filho, única esperança que restava, nada mais.
A cidade estava infestada e sua batalha fora necessária, um sacrifício que, para muitos seria estúpido, mas inevitável.
Contabilizavam-se mais de milhão de vítimas fatais, isso sem contar às milhões e milhões contaminadas.
O homem ainda venceria, como sempre fez, desde tempo imemoriais.
Mas agora, nada mais a dizer nem a fazer.
Tinha que ligar para o centro de controle e sabia o telefone de cor.
Daí para a incineração de tudo e, principalmente, a dele.
Parecia cruel que, em pleno século 21, isso acontecesse. Mas era inevitável.
A morte seria inevitável, morte dolorosa e sem ar, com uma falência múltipla de todos os órgãos e funções.
Morte extremamente dolorosa, melhor seria uma aplicação venosa de cloreto de potássio. Ardia, mas era melhor que a agonia.
Depois, a incineração, o corpanzil reduzido a cinzas. Seus livros, memórias e suas músicas, tudo agrupado numa sacola e enterrada.
Junto com tantas biografias, seria estranho se pudesse entendê-las, ou as conhecer.
Ali, ao contrário dos cemitérios convencionais, não haveria nenhum resquício das diferenças de classe.
Todos sepultados em profundas covas, sem nome, sem identificação.
O telefone tocara e isso o despertou, faria sua última ligação, suicida. Necessária.
A noite trouxe a hemoptise e a epistaxe, a cama ficara rubra, totalmente inundada.
O suor denunciava a febre e o medo apoderara-se.
O laboratório já o havia prevenido, sabia bem o que tinha que fazer.
O antes portador era agora doente e, portanto ativamente contaminante.
Ao atender a chamada, não pode deixar de engasgar.
A mulher e o filho, como sempre, perguntando como estava.
Preferiu mentir, de nada adiantaria a verdade, de nada.
Tudo bem, estou ótimo, cada vez mais forte...
Assim que desligaram, não teve escolha.
“Sim, doutor, sabemos como agir.”
“Espere um pouco, sim, estaremos aí em meia hora.”
Meia hora, tempo para nada, nada...
Tomou um banho e sorriu.
Olhou para cada metro do quarto, numa inútil e insensata despedida.
A porta abriu-se, reconheceu o enfermeiro.
“Vamos lá, sem piedade.”
O fogo ardeu tudo.
Nada restou, nada.
Vazio...

Do Mineirês e de Aecinho

Segundo Aécio, quando começar o debate eleitoral, "o Lula vai ter de ser um candidato diferente. Não poderá ser aquele messiânico das últimas eleições que prometia o céu aqui na terra com 10 milhões de empregos e três refeições ao dia para todos os brasileiros".

Para o governador, o presidente, virtual candidato à reeleição, vai ter que explicar "as dificuldades que seu governo viveu" mas que "terá também realizações a apresentar".

Aécio, que tem mais de 70% de intenções de voto para continuar no governo mineiro, disse que não tem a "ilusão" de "uma transferência absoluta de votos" para Alckmin, que está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais. "O que eu puder fazer para que o candidato Geraldo Alckmin melhore o seu desempenho em Minas Gerais eu vou fazer", disse ele, acrescentando que "o candidato Geraldo é que dará uma grande contribuição a isso, sobretudo, quando se tornar mais conhecido aqui".

O governador mineiro admitiu ainda que o presidente Lula "sempre teve uma base sólida em Minas Gerais: "os melhores resultados do Brasil ele alcançou exatamente em Minas Gerais", disse Aécio, lembrando que o presidente já disputou quatro eleições presidenciais.






Aecinho é de uma mineirice absoluta quando faz as afirmações acima.

Sabendo que, se entrar em atrito com Lula, perde muito e se apoiar Alckmin escancaradamente, não ganha nada, falou bastante sobre o nada e deu uma aula de mineirês.

Obviamente Lula não precisa prometer nada, basta mostrar o que já fez enquanto Presidente, comparativamente com os outros. E isso basta.

Isso no mineirês tem a seguinte tradução: “Não precisa falar nada e nem deve, somente mostrar as diferenças, que são gritantes, que já está no papo.”

Na segunda assertiva, a situação é mais clara ainda; Vou fazer o que eu puder pra ajudar meu companheiro, mas isso depende mais dele que de mim. Ou seja, não vou mover uma palha! Ele que se vire e fique mais conhecido, e isso é problema dele!

E, em terceiro lugar, Minas apóia Lula, inclusive...

Mineiramente falando, os sinais são esses. O recado para Alckmin é claro: “Te cuida cara, o problema é teu”.

A FOME E A ESPERANÇA

"É assistencialismo para quem toma café de manhã, almoça e janta e ainda joga metade da comida fora, que sobrou. Mas, para quem vive a pobreza neste país sabe o que significa uma criança tomar um café com pão com manteiga, sabe o que significa uma criança tomar um copo de leite, sabe o que significa uma criança ir dormir com a sua barriga cheia. Quem vive fazendo política só na capital ou na universidade ou quem fica fazendo política só em Brasília, não tem dimensão do Brasil real que nós enfrentamos." Luis Inácio LULA da Silva



Seu moço, por caridade
Escuta esse povo sofrido
Que vive nas tempestade,
Trabaia quar desgraçado
Pelos mata e nas cidade.
Esse povim sem parage,
Vivendo sem amparage
Dos home de capitár.
Eles chinga nóis de tudo
Quanto ruim há no mundo.
Chama nois de vagabundo
Que nois semo anarfabeto
Que nois semo cachacero,
Que num pode dá denhero,
Pra móde sobreviver,
Essa raça de safado
Desses pobre desgraçado
Que róba mais que ladrão.
Eles conta a mentirada
Pois num cunhece uma inxada
Nem sabe o valô da gente,
Pru mais que o mundo comente.
Nóis num passa de pilantra
Nossos fío, qui nem pranta
Num percisa de comida.
Essa gente é convencida
E não cunhece nois não
Não sabe o valô da vida
Sufrida nesse sertão.
Nem anda nesses comboio
Quar boi em canga marcado
Que anda dependurado
Nesses trem cá da cidade.
Nos otromóve eles passa,
Nem percebe os coletivo
Cheios desse bicho vivo
Que eles cunhece pur massa;
Trabaindo todo dia
Pra pudê dá mordomia
Presses homê, prus dotô
Nóis semo quem aproduz
A cumida que eles come
Apois veja, a própra luz
Que alumia bem os home
Se num fosse os disgraçado
Se num fosse o seu trabáio
Já tava tudo apagado,
Queria ver nos atáio
Dessa vida, vivo táio,
O rumo que eles tomava,
Quem sabe se eles paráva
Nus beco onde a gente véve
Onde não há quem se atreve
A chamar de residença
Chei de criança e doença,
Pra podê tê consciença
Da vida que leva a gente
Dexava nois té contente
Preles pudê aprender
Que num basta sabê lê
Pra se dizê sabedor
Que é percizo munto amô
E bem sei, que só merece
Amor, quem se conhece
Que num sabe conhecê
Aquele que nunca viu.
Portanto, moço seria
De munta serventia
O sinhô pode passá
Pobreza só pur um dia
Pra mode valorizá
O trabái de nossa gente
Quem sabe, ansim seu dotô
Havéra de valorá
Esse povo brasilero
Ia aprender mais, garanto
Que nos livro lá da escola
Nóis só presta em feverero
Ou se for craque de bola
Aí vanceis acha bão
Inté pága pra nus vê.
Nossas fía mais bunita
Tumbém serve pra vancê
Nas buate mais perdida
Mais se incontra pra valê
Com home de capitar
Pra servi de companhia,
Mas mar amanhece o dia
Tudo vorta como era antes
Dispois vem esse disprante
De chamá di inguinorante
O povo mais umiádo
Nois tudo semo safado
Na vóis desses doutô
Se esquece que nois é home
Nem percebe se nois come
Se nossos fío tem fome
Isso nem lembra o sinhô
Na hora dos seus projeto
Nois semo tudo uns inseto
Sirvimo pra atrapaiá
Sirvimo pra trabaiá
Pra alimentá os dotô!
Intonces já me vô indo
Pros sertão to retornando
Pras favela vô saino
Meu tempo ta se acabano
Vo vortá pro meu roçado
Ou então pro meu serviço
Passa dia mês e ano
O carro num anda, enguiço,
Já faiz tempo tá parado.
Mais ficaria contente
Se oceis perduasse a gente
Num custa perdão pedido
Perdoa por ter nascido
Um fío meu lá em casa
Que, pros óio dos doutô
Foi feito por descuidado
Nasceu fruto do pecado
Da inguinorança da gente
Mais me dexô bem contente
Esse meu menino amado
Que é fruto de munto amô.
Que nois pobre, tombém ama
Embora oceis me parece,
Num cridita nisso não
Nóis tudo fais nossa prece
Nóis tombém somo cristão.
Fíos do mesmo Sinhô
Que morreu, naquela Cruz
Que foi feito cum amô
E era pobrinho, Jesus.
Então pense por favô
Nu munto que se ensinô
O Pai de todos os home
Dos que come e que tem fome
De todos sem distinção
Que nois tudo nessa vida
Por mais que seja doída
Por mais que seja distinta
Diferente em sina e tinta,
NOIS SEMO TODOS IRMÃO!

DA DIGNIDADE E DA IGUALDADE

Minha filha, tua trilha e teus passos soam como esperança, para quem, na dança da vida, aflito perdeu o rumo, muitas vezes sozinho, outras pelo caminho, muitas passarinho...
Minha mão alcançando a criança que ficou no passado, me deixa o gosto amargo do chimarrão da saudade.
Do vinho amargo do tempo, esquecido na adega da alma.
Mas tentei, na minha manhã, lutar pelo teu brilho, nada consegui; a liberdade distante, a cada instante a menina não poderia, não saberia e no domingo da vida, a semana nunca chegava.
Eu te amava tanto, no pranto esquecido pelas curvas da existência, pedi clemência, perdi paciência e naufraguei minhas lagrimas no baú de tantas espreitas, pelo rancho fundo das esperanças.
Renasci no universo, em meus versos e nos teus encantos.
Mas meu pranto foi precoce, a ausência remove o que fora luz.
A terra escurecida, a rádio ecoando um canto triste que ouviu do peito do poeta.
A seta que aponta o prumo e o norte, afogada pelos laços das estranhas entranhas de um futuro sem lastro, vazio, ao acaso, puro ocaso, fazendo caso de tantos erros, quanto berros, aterros e fraudes.
Minha sorte escrava, na lava que encrava e perversa a clava de tantas lutas em vão.
No colchão de pregos dos sonhos, meus medonhos e vagos lagos de ardentes lavas, onde lavo os meus pecados.
Perdoe o canto de quem, entre tantos e tantos foi tão pouco. Tampouco podia ser.
A mão calejada abraça teu corpo.
No copo da partilha, meu gole foi pouco, se tive.
A enxada restando quieta, calada, me traduz a insuficiência, na doença que nos devora.
Agora e sempre, desde os primeiros dias, as mãos vazias traduzem a colheita.
Nas filas intermináveis, nas chagas aumentadas a cada não.
Na sede desse sertão real e imaginário, Calvário e martírio.
Mártir, não quero nem almejo, quero o benfazejo beijo da brisa da igualdade; entre campos e cidades, entre travessas e favelas, barracos e mansões, corações de marés de dignidade, essa tal felicidade.
Minha filha perdoe o pai e o país, ser feliz é só promessa.
A hora sempre foi essa, nunca poderia ser outro dia, adiada eternamente.
O éter na mente inebriando e impedindo a realidade atroz como algoz e carrasco. No asco que produzem minhas vestes, meu cheiro e minha boca; bem sei que nunca perdoados.
Os retalhos doados pela caridade e pela coagulados no peito, sem jeito e sem forma. A forma onde fomos feitos imperfeitos e disformes, nos informes dos jornais somos quase nada mais que animais; quando tanto, somos cifras sem cifrões.
Vida sem enganos e sem esperas, transfiguradas nos teus olhos, sem brilho, minha amada.
Que bom que se pudesses ser filha da partilha da partida, estrelar.
Mas, não posso nem quero consolo, quero ação.
Coração sob a couraça, o cheiro da cachaça inebriando, o dia raiando, o povo chegando para um adeus, sem ar de Deus, mas fazer o quê?
No sertão de cidadania que invadiu esse nosso canto, todos os cantos, alimentado pelo sangue dos desgraçados, pelos abandonados, como eu e como o corpo inerte e sem vida, tão ávido pela vida como qualquer um.
Primeira filha de um berrante que “vingou”, no meio de tantos que se foram, da mesma forma.
A manhã renasce e com ela a sina, de trabalho e de suor, que o patrão nunca pode esperar o mundo roda e a roda da sorte nunca, nem na morte pára de girar, estou tonto, a cabeça gira, a dor aspira e expulsa.
A repulsa pela sorte, pela morte, pela solidão, num canto vão, esquecida.
A manhã surgida, a menina enterrada, a enxada, a estrada e o renascer.
Renascer da morte a cada dia, da morte da esperança, na dança cruel da verdade.
Meu Pai perdoe esse lamento, bem sei que agüento como meu pai suportou.
A sina se repete, a cada nascente, a cada poente, tudo me remete à verdadeira lição do Cristo que, com carinho, multiplicou e dividiu o pão.
Pena que ninguém entenda, por mais que o Padre fale, por mais que o Pastor recomende, não há quem se emende e passe a perceber.
Que o verdadeiro amor permite a divisão.
Concebe a humanidade numa unidade, com humildade quem sabe, na humana idade de amanhã, isso possa ser realidade, a real idade da digna idade, da DIGNIDADE!