terça-feira, agosto 15, 2006

O Copo

No teu seio, transportas tanto alento,
Ajudas mitigar tanto calor,
Afagas com carinho, o cão sarnento,
Permites seduzir, brindar amor.

Nos ritos transportando o que é bento,
Servindo sem temer servo ou senhor,
Em todos os momentos tens assento,
Te fazem mensageiro até da dor...

São muitos que preferem ver vazio,
Eu sei que estás, deveras, meio cheio.
Se na tristeza, manso, acaricio,

Na alegria, te invado, sem receio,
Sorvendo-te qual fora fera em cio,
Sem temer sequer críticas d’alheio...

Em meio a peripécias dessa sorte Soneto

Em meio a peripécias dessa sorte,
Que muitas vezes nega meu futuro,
Sem ter nem mais espreita que m’aporte
As velhas condições: saltar o muro.

Nas minhas sentinelas, sei o corte,
Profundo, cáustico, feroz, perjuro.
Adaga remoendo traz a morte,
Meu mote serpenteia, cai maduro.

Não quero mais a dama de vermelho,
Nem quero mais a luta sem descanso,
Em prol daquilo tudo me assemelho,

Ao penetrar do bico, tenaz ganso...
Não quero perguntar ao meu espelho,
Se fui, quem fui, serei, terei remanso...

Nasci naquela tapera Sextilhas

Nasci naquela tapera,
Perto da curva do rio,
Onde à noite tanta fera,
Traz mais forte seu bafio,
Derrubando, sem demora,
Sem temer nem ir embora...

Tanta dor que me tempera,
Não me deixa mais vazio,
De tocaia, vou de espera,
Conheço vela e pavio.
Nem todo ovo que se gora,
Nem todo gosto d’amora...

Joguei cravinote longe,
Matei onça de empreitada,
Minha mãe fugiu com monge,
Pelos palpos dessa estrada.
Não tem mais como pereça
Virou mula-sem-cabeça!

Puxei forte da peixeira,
Sangrei mais de dez safados,
Fiz da morte, coisa useira,
Cantei rimas desfiados,
Fiz das primas meu deleite,
E não há quem não me aceite...

Sou peste sem pestanejo,
Desejo toda morena,
No meu sonho sertanejo,
A dor de longe, me acena,
Quem quiser ser a mulher,
Tenho casa de sapé.

No umbigo da montaria,
Atrelei minha placenta,
Vou correndo a fantasia,
Quero ver quem me agüenta,
Sou, de lado, vou de banda,
Vendo sangue na quitanda...

Tropecei nesse defunto,
Esquecido no relento,
Tanta coisa que fiz junto,
Meu olhar mais remelento,
Trago o gosto da remenda,
O luar faz minha tenda...

Mas não temo nem temia,
Venda nova nem fracasso,
Mingau da vida rugia,
No poleiro do cangaço.
Fiz mais três combinação,
Quisera ser Lampião!

Teimoso qual cascavel,
Escorpião da caatinga,
Roubando o brilho do céu,
No véu da noiva respinga,
Cascata da melodia,
Dourando essa cercania...

Meu falar enviesado,
É difícil traduzir,
É que, nele, vem atado,
O que melhor vai luzir,
Tradução de coração,
É brotado de emoção.

Vingança tem saliência
Coça na mão e no coldre,
Se for boa eficiência,
Traz logo, cheiro de podre.
Urubus descendo ao chão,
Querem dizer proteção.

Não virei mais à tardinha,
Nem de noite mais virei,
Na calada, vai sozinha,
A rainha desse rei.
Que não tem nem pode ter,
Contas para receber.

Já cumpri meus mandamentos,
Já te fiz meus rapa pés,
Nas feridas, sei ungüentos,
Misturando tantas fés.
Mastigando tais mezinhas,
Riscando com ladainhas...

Minha manta sei de couro,
Como é de couro o chapéu
Na boiada, meu estouro,
É o estorvo do meu céu.
Buscapé buscando gente,
Queima tudo, de repente.

No repente da viola,
Eu puxei minha peixeira,
Arrebentei a sacola,
Fiz promessa a vida inteira,
Nada consegui depois,
Na boiada, fui os bois...

Ferido de morte triste,
Aposentei o meu laço,
Esqueci tudo que existe,
Abandonado sanhaço,
Fui marcado sem perdão,
Tanta dor no coração.

Agora tô sossegado,
Já não tenho mais vontade,
Acabei envenenado,
Por essa estranha maldade,
Que matou o matador,
Essa praga: o tal amor!

Meu amor traduzido maciez

Meu amor traduzido maciez,
Na mansidão serena de teu beijo,
Traz formas delicadas; é, talvez,
A mais sublime fonte do desejo...

Meu amor mais sincero, desta vez
A noite transformada onde te vejo,
Caminhando, seduz tanta altivez...
Amor, meu derradeiro amor, lampejo

De divinal delírio, simplesmente.
Crivado de estelares porcelanas,
Busco em ti, conhecer toda vertente,

De tantas quanto belas, pois insanas,
Maneiras de matar-me de repente,
Sorvendo todo néctar que me emanas...

Oitavas camonianas - Sertanejo...

Por tudo que passei já nessa vida,
Te peço perdão pelos desatinos,
Sei bem porque nascido em despedida,
Conheci os diversos sóis, meninos,
Navegantes que, errantes nesta lida,
Não conhecem senão nem seus destinos.
Vi tudo quanto posso, nego nada,
Nada nego e sossego, minha amada...

Explodindo balão nem sei junino,
Na festança embolada, penitência...
Meus fracassos selados que eu assino,
Libélula voraz da coincidência.
Salgado em insalubre lar marino,
Balanço, transgredindo essa impotência
Que faz de meus melindres borbotão,
Vou borboleteando essa amplidão!

Moleque; fui sacado, por safado,
Sereno, fui moleque sem paragem.
Nem sabia sertão soubera prado,
Vivendo na completa vadiagem,
Sem nem conhecer fada; quiçá fado,
Pescando no meu rio, velha margem...
Solitárias, lombrigas na barriga;
Por mais que não quisesse, tanta briga...

Decadentes; de leite, caem dentes,
Restando meu sorriso de faminto,
Não quero pretender que tu me esquentes,
Nem que disfarce, finja que só minto,
Finos, nas cabeleiras, passas pentes,
Crescendo molecote, frango e pinto.
Nas penumbras noturnas lobisomem,
As minhas tempestades, todas somem...

Fui crescido na marra, sem pergunta,
Jogando futebol pelas calçadas,
Um menino levado, quando junta;
Preparem-se, nem noites mais caladas,
Resistem aos malandros nem se muita.
Forçando ser feliz nestas estadas,
Criando serpentina faz confete,
Sei, jamais haverá nenhum bofete...

Criado sem tempero nem espora,
Vazando pelos muros do vizinho,
Sem ter tempo perdido, sem ter hora,
Estilingue matando passarinho.
O melhor do viver é sempre agora,
Amanhã, talvez, tétrico, sozinho...
Brincando levarei felicidade,
Quem sabe saberei saber idade...

Sabedoria, sendo meu confeito.
Gosto de podridão deliciosa,
O que fiz, já farei, senão tá feito...
Lúdico esse luar, me trouxe Rosa,
Amor tragado estraga, rasga o peito...
Faz olhar as estrelas, deixa prosa
O calado moleque. Parapeito
Da vizinha mostrada sensual
Mostra blusa entreaberta, casual...

Besteira amar tão jovem! fala o pai;
A mãe, conhecedora da tristeza,
Avisa: Quem está dentro já sai,
Amor significando estupideza,
Trama vazia, tanta dor atrai,
Diga: quem poderá, tal realeza,
Ludibriar, vivendo em tal cenário,
Cantando livremente, qual canário!

Quadras

Amores, amizades, alegria,
Palavras que; compondo minha vida,
Traduzem, no meu canto, fantasia,
Deveras, vai seguindo, Aparecida...

Beleza da bondade, beatifica,
Muda meu sofrimento em ser feliz,
Das dores mais cruéis, me santifica
Em tudo que traduzes, Beatriz...

Cabendo certamente meu carinho,
Em tudo que pensei tão cristalina
Quanto fosse capaz, sem ser sozinho,
Das fontes mais felizes és Cristina...

Devendo devedor divino Deus,
Serem os meus segredos sem marquise,
Eu te vejo, reluzes nesses breus,
Me trazes sensações, feliz Denise...

Eu espero esperanças nos teus beijos,
Na vida não sei dor que não se aplaine,
Vivendo, convivendo com desejos,
Te quero, te pretendo, doce Elaine...

Fervem fervores, febre e fogaréu.
Minha vida, transcorre vai mais branda,
Quando estou procurando azul do céu,
Somente encontrarei a ti, Fernanda...

Gosto gesto gozando gota a gota,
A toda solidão a vida impele,
Mas quando, a solidão queimando, rota,
Recolho-me aos braços de Gisele...

Horas horrores, honra e homenagens,
A quem a vida amou, serena brisa,
Não quero mais saber dessas paragens,
Distantes dos teus olhos, Heloisa...

Instantes imortais, idolatria;
Dessas noites passadas tão insone,
Que nunca mais parece, vem o dia,
Noites brancas, sozinho, sem Ivone...

Jogos jamais jogados, jogatina...
No tabuleiro-vida que me engana,
Sabendo ter teu jeito de menina,
Sabendo ser teu homem, Ó Joana...

Liberdade levando leve luz,
Descanso em meu brinquedo de pelúcia,
Buscando tanto brilho que reluz,
Vivendo por viver, amada Lúcia...

Marcado morredouro mantimento,
Sofrimento passando a ser a tônica
Do que mais poderia ser lamento,
Vou salvo, acreditando só em Mônica!

Nascendo naufragado, néscio não,
Provando essa amargura que venci.
Maltrata devagar meu coração,
Que bate, tresloucado, por Nadir...

Ouvindo ondas ouvi outras ondinas,
Que, por mais igual, nunca se repete
O mar dessas belezas, das meninas,
Que nunca chegariam ser Odete...

Palavras perseguidas plenitude,
Não sabem nem conhecem a delícia,
De ter todo bom senso e atitude,
Que surgem tão somente em ti, Patrícia...

Restam risonhos risos e resquícios,
Desse delicioso amor que agita,
Salvando-me de todos precipícios,
Só quero mergulhar em ti, Ó Rita...

Sabendo sentimentos sem saudade,
Melhor que ti, somente se for clone,
Igual são muito poucas, na verdade...
Sereno, saberei ser teu Simone...

Trazendo tempestades tropicais,
Em meio a tanto canto e mais beleza,
Bebendo, vou tragando e quero mais,
De tudo que vivi em ti, Tereza...

Vivendo vou vencendo vacilantes
Momentos em que tento abrir cratera,
No peito que batia já bem antes
De poder conhecer a bela Vera...

Vou tentando saber do que não sei

Vou tentando saber do que não sei,
Ouvindo a melodia mais suave,
Já estive em Pasárgada, fui rei,
Todas as prostitutas, minha nave

Aberta vai caber, o que sonhei;
Falando nisso, todos sonhos grave,
Por favor, nesse tempo que passei,
Na busca do que quero, sem entrave...

Querendo não querendo, vou sutil,
Ser sertão sertanejo, ser servil,
Ser vil com as metástases fatais.

Néscios são os meus vícios mais boçais,
Em tantos precipícios naturais,
Que já me prepararam nest’abril!

Quando vim do sertão trouxe saudade Soneto

Quando vim do sertão trouxe saudade,
Do canário da terra, coleirinho,
Um sabiá perdido na cidade,
Amor me maltratando, vagarinho...

Depois de conhecer simplicidade
É tão duro saber que se é sozinho,
Aqui eu conheci a falsidade,
Como dói passarim fora do ninho...

Eu trouxe tanta coisa no bornal,
A foto amarelada de Maria,
As lembranças da fruta no quintal...

A manga, guariroba, a melancia,
As águas do riacho, qual cristal,
Somente dor restou, dessa alegria...

Tenho as marcas Soneto

Tenho as marcas sangrentas do passado,
Cicatrizes no peito sofredor,
Quisera ter vivido do teu lado,
As horas mais difíceis, meu amor...

Estás tão diferente, tenho andado
Em busca do que fomos, onde for.
Nada além me restando, nem bocado
Do sonhos que sonhei, fui sonhador!

Sentindo o bafejar da morte vindo,
Pretendo adeus num último soneto,
Que seja a solidão da dor se abrindo,

Derradeira loucura que cometo,
Quero morrer nos braços, sonho lindo,
Dessa mulher que amei, isso eu prometo!