quinta-feira, julho 13, 2006

Das cotas e das discriminações

Temos visto, nos últimos dias, um aprofundamento sobre os sistemas de cotas nas Universidades.
O aspecto que se discute é com relação à utilização do fator racial enquanto fator preponderante para essa cotização.
Discordo, profundamente, de tal parâmetro para se analisar o benéfico sistema.
Vivemos num país onde, historicamente, os negros foram alijados da participação a qual teriam direito tanto na colonização quanto na distribuição de terras e de benefícios, desde a abolição da escravatura.
Obviamente essa discriminação, chegada ao extremo de se colonizar as novas terras com imigrantes vitimizados por períodos de crises econômicas nos seus países de origem em detrimento da gigantesca população negra e mestiça que havia no Brasil, nessa época, é uma das maiores mazelas e dívidas do Brasil com a população negra.
Pior, muito pior é a situação dos descendentes dos indígenas, alijados e mortos em suas próprias nações.
Até aí, tudo bem, concordo plenamente que é importante e urgente se fazer tal resgate, mas há um aspecto que não podemos negar: a experiência feita nos Estados Unidos não cabe no Brasil, onde temos uma realidade muito diversa.
Partindo-se do pressuposto que lá havia uma política oficial de discriminação e segregação, a população negra enfrentava não somente das injustiças indiretamente relacionadas como, também, de uma segregação oficial e odiosa.
Se nos lembrarmos de Malcom X e Luther King, veremos que há grandes diferenças entre o momento histórico e as motivações entre esses e Ganga Zumba, por exemplo.
A escola pública foi sucateada e destruída pelas décadas de desgovernos e políticas elitistas com relação à educação, isso é inegável.
Sou de um tempo onde se havia uma escola pública não somente de bom nível, como também extremamente desejada pela classe média e, nas cidades pequenas, pela própria elite dominante, branca, mestiça ou negra.
O início de uma revolução com relação à qualidade do ensino público, é uma verdade alentadora, com a melhoria, tanto das condições físicas, quanto técnicas, a partir da implantação das Leis das Diretrizes Básicas do saudoso Darcy Ribeiro.
Obviamente, isso demandará tempo para que surta o efeito desejado.
E, nesse meio tempo, e tão somente nesse meio tempo, defendo exaustivamente a política de cotas para os ESTUDANTES DO ENSINO PÚBLICO, associados a uma análise sócio-econômica já que, nas cidades pequenas, em muitas delas, somente temos o ensino público, tanto para as elites quanto para o proletariado.
Até porque, temos a possibilidade de alguns cursarem a escola pública num período e, no outro, fazerem seus cursos pré-vestibulares particulares.
Não vejo a defesa dessa tese, como uma idéia racista ou não. Não consigo conceber que a raça, ainda mais num país onde temos tantos matizes e raças quanto possíveis, possa ser critério justo de seleção para preenchimento de cotas.
Outra coisa que me deixa preocupado é com relação aos critérios utilizados para se distinguir o que é negro ou afro descendente e o que não é; pelos critérios norte-americanos, a alva e loura cantora Mariah Carey é tida como negra, embora isso seja, fenotipicamente e geneticamente, de uma absurda heresia.
O branco, neto de negros ou de brancos é, pela genética, recessivo em todos os quatro genes que dão à tonalidade da pele.
Corremos o risco de criarmos os branco-negros, e os branco-brancos, coisa tão absurda quanto indecente.
Cursei a minha faculdade na UFRJ, uma das poucas em que poderia estudar, filho de professores de ensino médio e fundamental, já que não dispunha de dinheiro e o crédito educativo era uma figura de retórica no longínquo 1980.
Minha esposa, Rita de Cássia, filha de lavradores, branca na tez, trabalhava durante o dia numa Escola para, depois de viajar mais de cinqüenta quilômetros, cursar pedagogia em uma faculdade particular.
Isso não é o ideal, longe disso, mas sinto que, se mantivermos a cotização racial, exemplos como o de Rita terão que ser repetidos no dia a dia, sem a esperança da justiça que, somente ela, igualará os seres humanos.
Estudamos, eu e Rita, em escolas públicas, com dez anos de espaço entre a minha época e a dela, em realidades diversas, eu em Muriaé, cidade do interior de Minas, com seus cem mil habitantes, e ela num distrito de Ibitirama, Santa Martha, nos grotões capixabas.
Outra coisa que precisa ser avaliada é a infeliz idéia do Senador Paulo Paim, a da proibição de se matricular nas Universidades Federais quem tiver condições econômicas de pagar um curso superior.
Discriminação de um lado e do outro não levam a lugar nenhum.
Como, via de regra, as Universidades públicas são tidas como a excelência do ensino superior no país, essa atitude coibiria alguns dos melhores alunos, tanto pobres quanto ricos, de estudarem nestes centros.
Uma idéia que poderia ser analisada seria a de implantarmos centros de estímulo a crianças superdotadas, com o incentivo governamental para que essas, independente da origem social, tenham o desenvolvimento de suas genialidades estimuladas.
Tal experiência já existe em alguns países e, mesmo no Brasil, como as APAEs.
Qualquer atitude em relação à cotização deve ser analisada sob o parâmetro socioeconômico e por tempo determinado, o tempo necessário para se elevar a qualidade do ensino público.
Concordo com Cristovam Buarque quando afirma que esse deverá ser um compromisso entre todos os políticos brasileiros, pois a educação, assim como a saúde e a segurança pública são os bens primordiais de qualquer povo, assim como o alicerce para se formar uma nova sociedade mais justa.

De um caipira, de um peão, do brilho da esperança

Perdão minha Mãe, perdão...
Eu sou um ignorante, sou filho da vida difícil na roça, filho de peão, irmão de peão e pai de futuro peão.
A vida me deu pouco, meu pai foi embora no primeiro rodeio que passou na cidadezinha, meu pai, José, como tantos, um homem forte, mas distante, dele sei que tenho os olhos, os olhos de meu pai.
Tanto tempo distante de tudo, correndo atrás do meu ganha pão, ajudando minha mãe, Maria, Maria Aparecida.
Meus irmãos, filhos de outros pais, filhos da mesma Maria, triste sina.
Na vida, a enxada como caneta, a terra foi o meu caderno, e o suor, a tinta que me ensinou a ler e escrever na sina palavras simples e doídas, como solidão, medo e desesperança.
Aos dez anos, as mãos calejadas, os olhos tristes, olhos de José, o peão, tive vontade de sumir, fugir para outro lugar, longe de Maria, pobre Maria.
Não suportava mais as lágrimas esculpindo as rugas no rosto tão bonito de minha mãe.
Minha mãe, fugindo, percorrendo outras terras, de outros tantos coronéis e de outras serras e montanhas.
Filho de peão, peão sou, como meu pai, hábil peão, poucos me suplantaram na vida, poucos peões como eu, no enxadrezado da vida, dominando os cavalos, tentando dar xeque mate na desilusão.
Vencido por uma dama, doce dama, minha Maria, das Graças, dei graças pelo gracioso presente dado a mim por meu Pai, soberano Pai.
Mas, seguindo o roteiro da vida, o que era doce, foi-se com a doce Graças, desgraçada pelo amor de um Padre, levada para nunca mais, na sela de um cavalo, roubada pelo Bispo que me tirou o sonho, deixando o filho, mais um peão...
Ganhei dinheiro com as vaquejadas, fiz minhas economias, comprei terras, construí meus castelos com as Torres, fortalezas...
Fortaleza, de Fortaleza veio o companheiro, desleal e ladrão.
O castelo e suas torres destruídos, sobrando somente, as ruínas.
A morte seria a solução, o mergulhar no vazio, o salto no espaço, minha sina, caipira sina de um peão, peão mineiro, caipira mineiro.
Mas, ontem me lembrei de ti, Mãe, minha Mãe, Aparecida, tanto quanto Maria, a que me colocou nesse mundo, Maria Aparecida, perdida no tempo, Mãe Aparecida, estou aqui.
Minha oração é a minha vida, a única que sei. A sina da escuridão de uma vida sem sentido, onde mina somente a dor, a dor de outrora e de sempre, a dor desse caipira, de Pirapora, que quer Teu perdão e Tua luz.
Trago-te as mãos vazias e o peito sangrante, mas ainda tenho meus olhos, os olhos de um peão perdido há tempos, os olhos de meu pai e que meu filho herdou, num último brilho de esperança.

Tucanolândia capítulo 8 - Bom para otário, genericamente falando...

Havia no reino da tucanolândia, uma verdadeira máfia formada por alguns laboratórios ligados principalmente a produção de medicamentos de fundo de quintal, remédios similares aos produzidos por grandes laboratórios. Tinham um custo de produção menor, sem investimentos em pesquisas e qualidade na produção.
Esses medicamentos apresentavam uma característica de comercialização ímpar.
Eram chamados de “bonificados”, pois a venda destes produtos para as farmácias era associada ao fornecimento de vantagens para os donos destes estabelecimentos comerciais.
Na gíria farmacêutica, esses produtos bonificados eram chamados de BOs ou seja “bons para otários”.
Por exemplo, se você vendesse um BO, ganhava outro de brinde, ou tinha descontos gigantescos na compra de outro tipo de produto do mesmo laboratório, tipo “antigripais”, “pastilhas para garganta”, remédios para o “fígado”, etc.
Como para Joseph Mountain, famoso ministro da saúde de Tucanolândia, o que importava era a propaganda a qualquer custo fazendo um lobby tão perfeito e com uma exploração midiática muito bem feita que lhe deu até premiação no exterior, bem merecida como estamos vendo, este resolveu fazer do limão, a limonada.
Como o nome “bom para otário” ficaria muito pesado e, buscando uma forma genérica que desse bom resultado, teve a brilhante idéia de criar os Genéricos, nada mais nada menos do que os BOs disfarçados...
A base de bajulação e puxação de saco do governo da Tucanolândia, formada, em sua maioria por quem teve acesso direta ou indiretamente às benesses do Governo Fernando Henrique Caudaloso nas privatizações “heróicas” que, segundo alguns boçais “salvaram” o país e livraram o povo da “difícil” carga de possuir bens de consumo ou de serviços, já que para a mentecapta gente que assim pensa, o Estado não pode possuir nada, sendo mais difícil entender que uma empresa bem administrada pode dar lucro, sendo ou não estatal, mas isso é outro assunto; voltemos aos “Genéricos”.
Pois bem, a partir de atitudes como essa, Joseph passou a se considerar “The best”.
E a base de bajulação aplaudiu mais esse ato genial – oficializar o ‘Bom para otário” como se fosse uma grande idéia.
os laboratórios de fundo de quintal se assanharam tanto que passaram a comandar as listas de lucratividade no setor.
Ah, sem esquecer-se de que, nunca na história do reino, se falsificou tantos medicamentos como naquele tempo...